O começo de 1965, exato em Liverpool, ganhamos uma novidade. Não era nada relacionado aos Beatles, que me dera. No nosso bairro, o Burttonwood, é que tudo aconteceu. Ganhamos um vizinho surpreendentemente... americano.
Ninguém do nosso bairro se atreveu a cumprimentá-lo. Até posso entender porque alguns vizinhos são xenófobos e ficam cabreiros quando se trata de estrangeiros. Outros são tímidos demais para se apresentar ao cidadão. Mamãe, eu e Vivian ficamos sem ação quando vimos aquele sujeito, com um caminhão de mudanças e todas jogadas dentro da casa. E por ironia do destino, era uma quadra e meia perto da nossa casa. Ou seja, podiamos ver o vizinho na janela.
-- Meninas. -- Disse mamãe com tom de alerta.-- Não as quero conversando com aquele homem.
-- Mas por que? Ele parece ser legal.-- Disse Vivian.
-- Diz isso porque é ingênua e muito criança, Vivian e me obedeçam!
-- Sim, mãe. -- Respodemos juntas.
1 mês se passou e o vizinho se instalou bem na cidade portuária. E ainda ninguém conversou com ele. A não ser os Stevenson e só o clássico "bom dia", "boa tarde" e "até amanhã". Realmente o homem não tinha nada de amaeaçador mas ainda mamãe nos ordenou a não falar com ele.
Um dia minhas amigas me visitaram para uma deliciosa tarde de sábado com conversas de menina e um pouco de música. No fim da tarde, alguém bate na porta. Atendi e levei um susto daqueles. Era ele.
Usando um casaco marrom e ostentando aquele rosto de soldado americano de quem tem uns quarenta e cinco anos (mais velho que minha mãe) e com um sorriso me pediu algo.
-- Boa tarde vizinha. -- Cumprimentou-o meio acanhando.-- Acabou meu estoque de açucar e como vou receber meu salário de soldado amanhã, eu vou fazer compras e hoje queria tomar um café. Tem um pouco de açucar para me oferecer?
Eu não sabia o que dizer. Bem, eu sabia sim. O problema era medo. Medo daquele homem. E ainda mais que mamãe está em New Brighton visitando os parentes e levou Vivian. Só estou eu e as meninas em casa. Tudo poderia acontecer. Não tive outra escolha. Acabei dando um pouco de açucar no pote que ele trouxera.
-- Aqui está senhor. -- Eu falei bem educada.
-- Obrigado, senhorita.
Ficamos nos olhando e ele com aquele sorriso lindo. Sincero. Vi nele olhos de sinceridade. O medo que tinha havia sumido, muito estranho. E por incrível que pareça, o vizinho tinha uma espécie de aura do bem (tão clichê isso?!) que me fez repensar dos meus maus julgamentos pra ele.
--Err..senhor...-- Tinha de quebrar o gelo dos nossos olhares. Poderia pegar mal. -- Não precisa... agradecer, senhor... senhor?
-- Hunningan. Morgan Hunningan, ao seu dispor, senhorita...
-- Rosie. Rosie Donovan.
-- Prazer em conhecer, Rosie. Mais um,a vez... obrigado pelo açucar.
E ele voltou para sua casa. Depois de tudo isso, Jane e Suzan estavam catatônicas e boquiabertas com meu papo com vizinho misterioso (agora nem tanto misterioso).
-- Mas que vizinho maravilhoso!-- Exclamou Suzan.
-- Pena que ele é velho demais pra nós, não é Rosie?-- Indagou Jane.
--É verdade.-- Concordei. Ele é velho demais pra mim. Poderia ser meu pai. E um pretendente pra minha mãe, se ela não fosse ressabiada com os homens de Liverpool.
A noite não parei de pensar em Morgan. Não pensem que sinto uma atração sexual por ele. Não sou tão ninfeta assim, embora não negue que ele é realmente um homem bonito para seus quarenta e cinco anos e que lutou na guerra. Era uma especie de ligação espiritual. Uma capacidade paterna, sei lá. Não sabia expressar bem o que era. Mas sabia que não era desejo e nem o via como homem. E sim como... um pai?!
Será???
Continua...
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