terça-feira, 31 de janeiro de 2012

The Last Day of January...

A primeira vez que reparei em fim de mês foi em janeiro de 1962. O que eu era? Uma adolescente de 16 anos, sem saber o que fazer na vida monótona e apenas lamuriando pelos cantos da cidade. Porém, tudo isso teve um fim. Quando descobri o que é música de verdade. Não menosprezo Elvis por me dar aquele suporte (*leia o primeiro post*) mas depois que os Beatles entraram em minha vida tão teen, recuperei o gosto pela vida. Ao mesmo tempo que o último dia de janeiro me fez amar o mar inglês. Tudo isso quando atravessei de ferryboat. Último dia de janeiro não é fim do mundo, e sim dia para descobertas pessoais.

Life goes on day after day
Hearts torn in every way

So ferry 'cross the Mersey
'cause this land's the place I love
and here I'll stay.
 
(Trecho da música de Gerry and Pacemakers-- Ferry Cross the Mersey)

domingo, 29 de janeiro de 2012

Um vizinho chamado Morgan (conto)

O começo de 1965, exato em Liverpool, ganhamos uma novidade. Não era nada relacionado aos Beatles, que me dera. No nosso bairro, o Burttonwood, é que tudo aconteceu. Ganhamos um vizinho surpreendentemente... americano.
Ninguém do nosso bairro se atreveu a cumprimentá-lo. Até posso entender porque alguns vizinhos são xenófobos e ficam cabreiros quando se trata de estrangeiros. Outros são tímidos demais para se apresentar ao cidadão. Mamãe, eu e Vivian ficamos sem ação quando vimos aquele sujeito, com um caminhão de mudanças e todas jogadas dentro da casa. E por ironia do destino, era uma quadra e meia perto da nossa casa. Ou seja, podiamos ver o vizinho na janela.

-- Meninas. -- Disse mamãe com tom de alerta.-- Não as quero conversando com aquele homem.

-- Mas por que? Ele parece ser legal.-- Disse Vivian.

-- Diz isso porque é ingênua e muito criança, Vivian e me obedeçam!

-- Sim, mãe. -- Respodemos juntas.

1 mês se passou e o vizinho se instalou bem na cidade portuária. E ainda ninguém conversou com ele. A não ser os Stevenson e só o clássico "bom dia", "boa tarde" e "até amanhã".  Realmente o homem não tinha nada de amaeaçador mas ainda mamãe nos ordenou a não falar com ele.
Um dia minhas amigas me visitaram para uma deliciosa tarde de sábado com conversas de menina e um pouco de música. No fim da tarde, alguém bate na porta. Atendi e levei um susto daqueles. Era ele.
Usando um casaco marrom e ostentando aquele rosto de soldado americano de quem tem uns quarenta e cinco anos (mais velho que minha mãe) e com um sorriso me pediu algo.

-- Boa tarde vizinha. -- Cumprimentou-o meio acanhando.-- Acabou meu estoque de açucar e como vou receber meu salário de soldado amanhã, eu vou fazer compras e hoje queria tomar um café. Tem um pouco de açucar para me oferecer?

Eu não sabia o que dizer. Bem, eu sabia sim. O problema era medo. Medo daquele homem. E ainda mais que mamãe está em New Brighton visitando os parentes e levou Vivian. Só estou eu e as meninas em casa. Tudo poderia acontecer. Não tive outra escolha. Acabei dando um pouco de açucar no pote que ele trouxera.

-- Aqui está senhor. -- Eu falei bem educada.

-- Obrigado, senhorita.

Ficamos nos olhando e ele com aquele sorriso lindo. Sincero. Vi nele olhos de sinceridade. O medo que tinha havia sumido, muito estranho. E por incrível que pareça, o vizinho tinha uma espécie de aura do bem (tão clichê isso?!) que me fez repensar dos meus maus julgamentos pra ele.

--Err..senhor...-- Tinha de quebrar o gelo dos nossos olhares. Poderia pegar mal. -- Não precisa... agradecer, senhor... senhor?

-- Hunningan. Morgan Hunningan, ao seu dispor, senhorita...

-- Rosie. Rosie Donovan.

-- Prazer em conhecer, Rosie. Mais um,a vez... obrigado pelo açucar.

E ele voltou para sua casa. Depois de tudo isso, Jane e Suzan estavam catatônicas e boquiabertas com meu papo com vizinho misterioso (agora nem tanto misterioso).

-- Mas que vizinho maravilhoso!-- Exclamou Suzan.

-- Pena que ele é velho demais pra nós, não é Rosie?-- Indagou Jane.

--É verdade.-- Concordei. Ele é velho demais pra mim. Poderia ser meu pai. E um pretendente pra minha mãe, se ela não fosse ressabiada com os homens de Liverpool.

A noite não parei de pensar em Morgan. Não pensem que sinto uma atração sexual por ele. Não sou tão ninfeta assim, embora não negue que ele é realmente um homem bonito para seus quarenta e cinco anos e que lutou na guerra.  Era uma especie de ligação espiritual. Uma capacidade paterna, sei lá. Não sabia expressar bem o que era. Mas sabia que não era desejo e nem o via como homem. E sim como... um pai?!
Será???

Continua...

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Em algum lugar de Liverpool...

Sei que meu amor está por aí. Talvez se escondendo de mim ou perdido nesta cidade portuária. Eu atravessei o Mersey esses dias, visumbrando o imenso mar inglês. Foi ali que papai deu "por morto". 1962 foi o ano que embarquei no ferryboat. E sozinha. Era sempre eu, mamãe e minha irmã. Desta vez estive só no navio, com aquelas pessoas. Naquele tempo eu desconhecia totalmente aquela frase do Jim Morrison, people are strange. As pessoas são estranhas, como você vê.
Em algum lugar de Liverpool, gostaria de poder navegar para encontrar meu amor, naufragado por aí. O mar seria meu amigo mais próximo. Ou mais distante. Ou pode ser meu inimigo se não dominar suas ondas e constantes furias aquáticas.
Em algum lugar de Liverpool, eu vou encontrar meu amor, mesmo que leve alguns anos. Ou mais que isso.
Ou quem sabe... ele não esteja aqui.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Noites acetinadas de branco


No meio de 1967 comecei a ficar com insônia. Nunca fui de me viciar em drogas mas confesso que já experimentei a psicodelia  de um ácido e o agito corporal de uma "bolinha azul". Eu estava angustiada. E não sabia o motivo. Me revirava na cama, fechava os olhos, tentei sonhar com John Lennon ou Steve Marriot e nada do meu sono aparecer. Talvez Morfeu esqueceu de mim naquela noite. Mas que piada! Fazia uns 15 dias que andava com olhos abertos altas horas da noite. Nunca terminei um namoro assim, com direito do parceiro brigar comigo. Fui para o trabalho e lá escondi minha dor. Aos olhos de todos, estava bem. No fundo estava destruída. Por vários dias me angustiei e escrevi cartas para alguém que nem mesmo eu sabia que existia. Mas todas diziam que eu o amo. Por quê?

domingo, 1 de janeiro de 2012

Quando a chuva passar..

Ainda me lembro dos dias de chuva em Liverpool. Podem me chamar de estranha mas a verdade é que eu amava ver um dia nublado, com um clima ameno. Em casa tinha meus devaneios de menina, ouvia discos dos meus ídolos e olhava os posteres que tinha no quarto. E pensar que nos anos 50, minha paixão era James Dean até Elvis Presley.

James Dean era o idealismo do meu amado rebelde. Na minha criancice, desejava urgentemente encontrar um desses nas ruas de Liverpool ou em outro lugar de Mersey. Mas não encontrava. Talvez fosse uma raridade ou por causa da minha pouca idade. Mas desejava mesmo James Dean. Dormia e acordava com seus filmes gravados na minha memória. Suspirava... Foi num dia de chuva de 1955 que ouvi na rádio o anúncio de sua morte. Tão jovem e cheio de vida. Ele morreu sem ao menos saber da minha existência.

Quando Elvis apareceu, me recusei aceita-lo. Estava de luto pelo meu rebelde sem causa. E virei uma sem saber. Numa noite de chuva calma, liguei o rádio e meu coração amoleceu ao ouvir aquela voz de tenor/barítono tão romântica e ao mesmo tempo que toca na alma. Chega a ser irônico que esse cantor americano me "consolou" do luto pelo meu loiro favorito. Parecia que Elvis me protegia dos trovões ao cantar Love Me Tender, ou quando ficava brava, tocava Don't Me Cruel. E quando ele queria meu amor? Bastava Love Me que eu me enchia de lágrimas e imediatamente queria beijá-lo.
Era tudo uma loucura.
Nos anos 50, James e Elvis foram meus namorados. Me ensinaram os primeiros passos da sabedoria do amor. E sempre que chovia em Mersey, me lembrava de quando eu era feliz ao lado dos meus heróis. James só aparecia nos meus sonhos, me convidando para dar uma volta na estrada na garupa de sua moto e me prometendo casamento só até eu completar 18 anos. Elvis era meu guru, meu anjo, meu tutor e meu amor. Ele cantava, conversava, me fazia rir e me confortava com sua voz rouca e aveludada. E quando a chuva passar... saberei que eles não vão voltar. Até a próxima chuva que sabe...